terça-feira, 13 de setembro de 2011

Geração Tio Patinhas - Banquetes de Quadradinhos

Os estudos sobre toxicodependência ainda não são conclusivos mas, parece que quando se desfolham revistas de Walt Disney, solta-se uma essência capaz de inebriar e viciar mais os sentidos do que se nos fechássemos num elevador com o Jorge Palma vindo do Bairro Alto.

É que só isso explica a razão porque ainda hoje, e assim que consigo adquirir uma dose das viciantes revistas, logo ponha tudo numa bela pilha de quadradinhos, que obedece a um conjunto de regras esquizofrénicas.

Tal como uma refeição onde se guarda a sobremesa para o fim, desde sempre que empilho as revistas de acordo com as suas potencialidades de prazer.
Ou, mais prosaicamente, pelo volume de páginas com que se apresentavam, como se fossem doses de cocaína.

Doses mais leves para começar, como as revistinhas do Pato Donald ou do Zé Carioca, depois doses moderadas como as revistas do Mickey e do Tio Patinhas, dose reforçada com as Edições Extra e os Almanaques Disney, e a overdose final com os grossos volumes do Disney Especial.

Tudo era empilhado de acordo com esta ordem, mas não pensem que consumia tudo isto de uma assentada, até porque a tarefa afigurava-se mais arriscada do que tomar duche e secar a cabeça num micro-ondas.

Não, eu lia tudo bem devagar, degustando, com prazer.

Ouviam-se ao mesmo tempo acordes de cítara e gaitas de fole.
Camelos e serpentes faziam amor em espirais multicolores que se erguiam torpemente.
Autênticas tardes e noites de loucura, era o que era.

Por vezes contactava dealers que cediam o seu espólio em troca do meu, só que este tráfico de droga aos quadradinhos não se limitava a seis ou sete revistas.
Não, a troca de revistas era feita à grande e à colombiana:
"Emprestas-me 50 revistas e eu empresto-te outras 50".
E assim era.

O material sempre foi de melhor qualidade quando vinha do Brasil.

O declínio do império começou quando a Editora Morumbi substituíu gradualmente a Editora Abril.
Em 1996, mais coisa menos coisa, as revistas passaram a ser encadernadas de forma obtusa, grotesca até.
Até pura e simplesmente desaparecerem de papelarias e quiosques portugueses, já sob insígnia Impresa.

E assim, os vapores que inebriavam e faziam camelos e serpentes fazer amor nas espirais multicolores deixaram de fazer efeito.

Restam as feiras de antiguidades que vendem, a preço de amendoim, as velhas revistas dos anos 70 e 80.
E confesso que, de vez em quando ainda compro uma ou duas doses, digo, revistas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bela prosa sobre a importância que as revistas Disney tiveram na nossa infância!

Sou fã deste blog e só tenho pena que seja ainda desconhecido de muitos outros nostálgicos.

Continue com o bom trabalho.

Um abraço.