terça-feira, 13 de abril de 2010

Flashes Revival - O Pelé do Bairro


Em dia de Benfica x Sporting, infelizmente apenas uma questão de honra para os leões, nada melhor do que recordar os tempos do futebol na rua, as fintas e os golos em balizas pequenas, enfim, momentos bem passados sem qualquer tipo de outro problema.

Os estádios improvisados não tinham a carga mítica de um Maracanã, de um Estádio da Luz ou José de Alvalade, Wembley, Old Trafford, Santiago Bernabéu ou Camp Nou.
Na verdade nem nome tinham, ou balizas, ou bancadas, mas havia sempre alguém a assistir.

Jogava-se frente ao café do Ameixa, no largo junto à casa da minha avó Catarina, ao lado do prédio da Caixa, onde tinha sido desenhada a vermelho tijolo, uma baliza na fachada, para desespero de quem lá dentro trabalhava ao som de remates mais ou menos tresloucados.

Jogava-se ainda no largo da casa do Tiago e, sobretudo, jogava-se na Praça da Independência onde hoje é o Mercado Municipal e a Biblioteca, e também junto aos eucaliptos, o meu espaço favorito, onde se fugia ao calor do verão e se enchia os pulmões de ar puro.

Ali, fiz fintas de enfiada, a seis ou sete putos de seguida, marquei golos chutando de ângulos improváveis, ensaiei pontapés de bicicleta e cheguei a marcar por mais uma vez de calcanhar, imitando a arte de Madjer, o dragão argelino, acabadinho de, em 1987, ser consagrado como campeão europeu de futebol.

Hoje não me custa admiti-lo:
Fui sempre um dos três piores putos da minha turma a jogar à bola, até aos 13, 14 anos.
Mas como continuei sempre a jogar e nunca desisti, aprimorei a arte do pontapé no esférico e, pelo menos ali no bairro, eu cheguei, de facto, a ser o melhor.

O meu futebol tornou-se cada vez mais requintado, comentado, elogiado, o que inevitavelmente levou a que fosse prestar provas no clube da terra, o Pinhalnovense.

Mas era tarde demais.
Já tinha 17 anos, estava no segundo ano do escalão junior e só entraria naquela equipa azul e branca, que jogava junta desde os 11 anos, se fosse um fora de série.
E isso eu não era.

Era sim alguém com bom corpo para os juvenis - disseram-me - se pelo menos tivesse um ano a menos, mas para os juniores até poderia ser chamado de "algo franzino".
Ah, sim.
Era também alguém que cada vez tinha mais miopia, e que nos treinos à noite parecia um morcego sem radar.

Hoje, sem jogar futebol há uma série de anos, sentar-me-ei no sofá para ver o derby.
Recorrerei a um par de lentes de contacto e à nostalgia de outros tempos, os meus e os dos eternos 7-1, como mote para uma noite, espero-o bem, com final feliz.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Flashes Revival - As Areias Gordas


Sim, houve um tempo em que o Pinhal Novo teve praia.
E não é preciso recuar até ao tempo dos dinossauros.

No início dos anos 80, nos terrenos dos Andrades, um pouquinho de nada a norte de onde seria construída a creche, havia um imenso círculo de dunas de areia fina e dourada, com um lago de águas cristalinas no interior.

Parecia cenário das Caraíbas, mas esse mítico lugar desaparecido para todo o sempre, chamava-se simplesmente... Areias Gordas.

Os quase quarentões lembrar-se-ão deste local construído a meias pelo homem e pela natureza (areia para a construção civil e água das chuvas) porque muitos trocavam as aulas pela "praia pinhalnovense".

Foi para as Areias Gordas que, numa tarde sem aulas (não era de faltar) levei revistas Disney e do "Mundo de Aventuras", uma toalha e até um lanchinho, mas ali outros aproveitavam para mergulhar, nadar, ou até trabalhar para o bronze.

Foi nas Areias Gordas que o Nelson capturou um girino e o levou para casa, alimentou-o, leu-lhe histórias ao adormecer, foi pai e mãe, até o insignificante batráquio crescer, se tornar uma rã, casar e ter filhos lindos e viscosos.

Foi nas Areias Gordas que construímos - éramos três ou quatro - uma jangada de desperdícios, e usámos braços e ramos compridos para navegar como piratas até ao pôr do sol, a noite caía para lá das dunas mais altas.

Foi nas Areias Gordas que fui feliz.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Mapa dos Tesouros Perdidos


O que se conta a seguir poderia estar na rubrica "Geração Tio Patinhas", mas as pilhas de livros Disney debaixo das camas dos meus tios, tantos anos depois, representam, sem dúvida, mais um belo "Flash Revival".

É verdade que o meu espólio de revistas de Walt Disney crescia de dia para dia, mas fazia-se a conta gotas, apelando à bondade e à carteira dos meus pais; as revistas do Tio Patinhas sempre foram caras e a crise não é só desgraça dos nossos dias.
Nesse sentido, só de quando em vez "pingava" um novo exemplar defronte dos meus olhos.

Bem diferente era o autêntico colírio para os olhos que consistia em dar de caras com uma colecção consolidada, escondida, proibida.

A mais fantástica era sem dúvida a do meu tio Beto.
Ficava de baixo da cama dele, pouco mais do que um colchão, a meio de um mundo personalizado ao seu gosto pessoal, posters e luzes encantatórias, pujante adolescência.

Debaixo da cama, um muesli de revistas eróticas e Disney, visão sublime, tentação avassaladora de levar para casa 20 daquelas revistas debaixo do casaco, sem qualquer sentimento de culpa.

No quarto do meu tio Afonso, algo não muito diferente.
Também debaixo da cama, "Playboys" conviviam com "Disneys Especiais", ou seja, lado a lado, o supra-sumo das revistas eróticas e de Walt Disney.

O primo "Carocha" também construíu a sua colecção-tentação, que ficou, em tempos, numa prateleira da sua mesa de cabeceira.
O Nelson chegou a ter o seu monte de revistas na marquise.
O Samuel guardava o seu tesouro Disney, algures numa sala de uma casa cheia de divisões.

Apeteceu-me roubar todos eles, independentemente do facto de serem familiares, amigos ou gente que conhecia de vista.

Ainda hoje, se me fosse permitido voltar ao passado, roubaria qualquer um deles, sem qualquer tipo de remorso, mas as colecções dos meus tios, os tesouros escondidos debaixo da cama, é que eram para mim, o nirvana de quem sonhva com Mickeys e Donalds.
E já agora, gajas com mamas que pareciam balões da Feira de Maio.

Hoje, infância há muito perdida, adolescência esfumada, idade adulta quase a meio, tenho a minha prória colecção de "Playboys" e "Tio Patinhas", que se fosse econtrada pelo João Paulo dos anos 80, seria babada e invejada de alto a baixo.

Acontece que o meu sobrinho, filho do Século XXI, dos plasmas e computadores, não lhe liga nenhuma.
Pelo menos não serei roubado pelo petiz.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Flashes Revival - A Casinha de Tijolo


Lembro-me que naquele tempo havia entre a minha casa e a casa da minha avó materna, um lugar encantado.
Não tinha lagos nem vegetação luxuriante, era só feito de tijolo, mas era um lugar encantado.

Ao lado do prédio onde funcionou um dos primeiros postos de saúde da vila, a que chamávamos "a caixa", ficava um autêntico mar de tijolo, pilhas e pilhas numa extensão considerável, prenúncio do que viria a ser a galopante construção de prédios, e prédios, e mais prédios.

Gingando por entre as pilhas de tijolo, chegava-se a um improvisado enconderijo, deleite e nostalgia de quem o frequentou pelo menos uma vez, já ciente então que aquela seria mais tarde uma delirante memória dos anos dourados, a ponto de ser algo colocada em causa, entre o mito e a realidade.
Mas aconteceu.

Era como que uma casa na árvore, mas feita de tijolo.
Entrava-se de gatas por um corredor, até uma espécie de sala, com tapetes no chão, sítio para petiscar bolachas e banquinhos de tijolo para ler um livro de banda desenhada, se a quase total obscuridade o permitisse.

Não sei quem construíu o sonho, não me lembro o que mais tinha lá dentro, não consigo precisar quando lá estive, com quem estive e quando tudo aquilo terminou, substituído pela inexorável marcha do progresso.

Talvez o Nelson se recorde de mais.
Talvez possa aqui voltar para melhor definir este flash revival, um dos mais desfocados episódios de infância, mas também um dos mais inesquecíveis.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

FLASHES REVIVAL - A Televisão na Sala da Avó


Lembro-me que naquele tempo havia uma televisão a cores na sala da casa da minha avó.

Entre 1981 e 1983 frequentei o 5º e o 6º ano de escolaridade no Ciclo Preparatório do Pinhal Novo, naqueles que considero os melhores anos de sempre na longa maratona de estudos.


Segundo me recordo, o horário no ciclo era mais preenchido na parte da manhã (uma constante nos anos seguintes) a que se seguia o almoço na casa da minha avó Catarina.


Um tempo de pausa no estudo que reconfortava espírito e estômago, em especial quando do menu constava um bom bife com puré de batata, então sempre caseiro, e com um apurado gosto a noz moscada, nham, nham.


E quando tinha mais tempo livre via televisão.


Confesso que não restam muitas imagens televisivas do início dos anos 80 na memória, mas lembro-me de seguir uma novela brasileira que a RTP transmitia à hora de almoço, "Baila Comigo", uma das primeiras obras escritas por Manoel Carlos (o mesmo de "Viver a Vida" em exibição na SIC) e também uma das primeiras a recorrer ao exasperante tema do gémeo bom e do gémeo mau (na altura Tony Ramos como "João Victor" e "Quinzinho").

Há também o mítico Brasil x Itália no Campeonato do Mundo de 1982, que merecerá um post mais tarde.

E claro, uma das primeiras transmissões globais da história da televisão, o casamento de Carlos e Diana em 1981.


O príncipe das orelhas grandes e a lourinha Diana Spencer casaram a 29 de Julho de 1981, uma quarta-feira, e eu fui umas das 800 milhões de pessoas que espreitou pela televisão.


Com todo o poder crítico dos meus 10 anos, perguntava-me porque razão um casamento de dois príncipes ingleses provocava tanto interesse à escala global, mas lá assistia às milhares de vénias junto à Catedral de S. Paulo, onde os noivos chegaram num coche.


Mantenho as críticas à exaltação da plebe à escala global, mas tenho que admitir que aquele foi o casamento do Século XX e que nunca mais se viu nada assim.